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A Formação da Sociedade Parauapebense
A formação da sociedade no município de Parauapebas passa por uma
sequência de momentos distintos que merecem registro.
Passa também por nuances de uma geografia socioeconômica que se transformou profundamente na década de 1980.
No início da Serra dos Carajás integrava geograficamente o Município de
Marabá, um dos municípios de maior extensão geográfica do Brasil.
A Serra dos Carajás, formada por três sinclinais e os respectivos
anticlinais compreende, nos seus pontos altos, o que se convencionou
chamar de Serra Sul, Serra Norte e Serra Leste.
Sobre a Serra dos Carajás os antecessores da Cia. Vale do Rio Doce – a
Empresa Meridional, AMZA – Amazônia Mineração S.A. e, por legado de
compra, a CVRD, detinham o direito de lavra , concedido pelo DNPM –
Departamento Nacional de Pesquisas Minerais.
Fato é
que, apesar de pertencer ao município de Marabá, a região, a partir do
que hoje é o Eldorado, era desconhecida, terra íngreme e
inóspita, frequentada apena por caboclos, que, através do rio,
coletavam castanhas nas áreas marginais a ele.
Mesmo
anos após a chegada da Meridional a Carajás, só se alcançava a
Serra por via aérea, e mais, através de hidroaviões. Essa situação
permaneceu até que fosse construído o aeroporto de N-1, e, depois, o
de N-5, já na década de 1980. Com a abertura das PA- 150 – trecho de
Marabá a Eldorado e da PA- 275 – ramal Eldorado a Carajás, a sócio
geografia alterou-se radicalmente, sobretudo a partir da descoberta
de ouro na Serra Pelada – o sinclinal leste da Serra dos Carajás.
A partir daí, do entroncamento das PA-275 com a PA-150, garimpos de
ouro pulularam (surgiram). O ouro de aluvião surgia por todos os
lados, na bacia de qualquer igarapé. E, assim, deu-se o encontro do
homem com o ouro, a madeira nobre, a terra de ninguém, e um horizonte
fabuloso de riquezas.
Se nos garimpos de aluvião o
ouro rapidamente se esgotava provocando necessidade de mudanças
constantes, em Serra Pelada encontrava-se uma jazida inesgotável
onde, com certa regularidade, surgiam pepitas de toneladas de ouro.
Assim, a terra de ninguém passou a situar-se entre o entroncamento das
PA- 150 e 275 e o limite da Serra dos Carajás, uma barreira rígida
que a CVRD ergueu logo para lá do Rio Parauapebas, à sua margem
esquerda.
Da barreira para dentro, existiam os
empregos, que chegaram, no pico da obra, a 14.000 vagas ocupadas.
Existia, para atendimento a esse contingente, uma infraestrutura que
oferecia hospital, energia elétrica, água encanada, telefone, etc.,
a partir de 1981.
Em contrapartida, às dificuldades
de acesso a Carajás que eram impostas pela Segurança da Companhia , a
região compreendida entre o entroncamento das PA-275/150 e a Barreira
de Carajás se identificava como a zona livre, a Terra de Ninguém, o
Eldorado das Grandes possibilidades, das grandes chances da sorte,
sem nenhuma exigência.
A identidade da região do
hoje município de Eldorado, município de Parauapebas - inicialmente
Rio Verde – irá se confundir, em vários momentos, com a história de
toda região.
É necessário visualizar-se as ofertas
diferentes de oportunidades no Município (sede) de Marabá, ainda a
esta altura, com 50.000 habitantes, e sem empregos a oferecer, as
oportunidades variadas oferecidas pela região Eldorado - Curionópolis
- Rio-Verde, e as oportunidades oferecidas pela Serra dos
Carajás.
Se Marabá, uma cidade pequena e já
organizada sob o jugo das oligarquias e da mão de ferro dos Mutran,
já tinha toda a sua região próxima e em volta ocupada por grandes
latifundiários, não oferecia empregos e seu comércio era pequeno,
Carajás, por outro lado, oferecia 14.000 empregos, com bons
salários, casa ou alojamento, e comida, viagens de avião e folgas. E
não há ser humano que se pense tão azarado que não calcule, ou não
sinta, intuitivamente, que, se existem 14.000 chances, que uma não
será a dele.
Além do mais, muito embora a maioria
tenha vindo em busca da segurança de um emprego, a margem de risco,
mesmo pequena, oferecia compensações: chances de começar um
empreendimento pessoal, mesmo que como "formiguinha" em um garimpo,
como o de Serra Pelada, o maior garimpo a céu aberto do mundo, que
chegou a oferecer trabalho para cem mil garimpeiros.
Acabou ficando fora dos empregos da Serra, inicialmente, aquele que não
tivesse documentos, que não passasse nos exames de saúde- rigorosos
– que não tivesse nenhuma especialização e que conseguia um emprego do
qual, algum tempo depois era dispensado, ou aquele que fosse impedido
pelo limite deidade. A maioria desses, então, preferiu estabelecer-se
no Rio Verde e tentar a sorte aqui.
Assim, o que era
inicialmente uma espécie de acampamento de espera pelo recrutamento de
empregados para Carajás onde os homens estavam sempre na esperança de
que algum amigo ou conhecido surgisse de Serra e lhe conseguisse uma
vaga, foi se transformando em local de residência definitiva para
muitos, porque o tempo passava e o emprego não surgia, ou já estavam
desenganados por questões de saúde, de falta de documentação, etc.
O inverno rigoroso de 1982 na região, também, em muito contribuiu,
uma vez que as grandes e prolongadas chuvas paralisavam em 90% as
atividades daquele garimpo.
A paralisação do garimpo
repercutiu de imediato na paralisação do comércio (sobretudo) de
comida, bebida e mulheres no povoado do KM 30.
Sem o
cliente sempre rico, disposto a gastar quantidades apreciáveis de ouro
em suas andanças pelo povoado, os primeiros comerciantes resolveram
estabelecer suas barracas às portas de Carajás para testar o
resultado.
A localidade do Rio Verde iria começar a explodir. Isto se deu em poucos meses, no inverno de 82.
A localidade estendeu-se rapidamente pelos primeiros lotes agrícolas do GETAT à beira da estrada.
A madeireira Sartório chegou. Dia e noite serrava e vendia tábuas
para a construção de barracos. Tentativa de impedir a ocupação por
parte de capatazes de fazenda houve. Mas, nem à base de violência,
surtiram efeito.
A esta altura o povoado já se
delineava. Ruas abertas, à mão, no meio da mata já apareciam.
Profissionais da pistolagem e até amadores deste ramo, eram
encontrados às dezenas pelas ruas. Alguns, hoje já em outro ramo de
atividade, se encontram radicados aqui.
Sem qualquer
policiamento até então, foi o alto índice de criminalidade que forçou
a PM a destacar para o Rio Verde um contingente de quatro soldados e
um sargento.
Não é preciso dizer que este contingente
era absolutamente impotente para controlar o torvelinho em que vivia o
povoado.
Além do que, era comum que a tentação do
garimpo e do comércio absorvesse as atenções de muitos desses
policiais que passavam a garimpar, comprar e vender ouro e outras
mercadorias, com a vantagem de estarem legalmente armados e
representarem com suas fardas, uma espécie de intimidação natural.
A prostituição, além do mais, florescia na localidade, fruto da
inexistência de fonte de renda para centenas de imigrantes e estribada
na economia dos muitos garimpos existentes em toda região e de uma
folha de pagamento de empreiteiras de Carajás que contemplava 14 mil
funcionários, todos solteiros, morando nos alojamentos da Serra, onde
o acesso a mulheres ainda era vedado.
Essa folha de
pagamento despejava, aproximadamente, por final de semana, dez mil
salários mínimos nas mãos dos operários, que desciam para se divertirem
na área livre, fora da barreira.
Importante
ressaltar-se que em Carajás não residia uma só pessoa do sexo feminino
até 1982, quando lá chegaram as primeiras funcionárias, uma leva de
menos de 20 professoras e uma ou outra técnica. Além disto, bebida
alcoólica era expressamente proibida, e, por isso, fora dos limites
da barreira, centenas de botecos funcionavam pelo menos 18 horas por
dia, com seus freezers movidos a grupo gerador, já que não havia rede
elétrica em Rio Verde.
A insegurança, o nervosismo, os
negócios feitos e desfeitos sem qualquer garantia, a escuridão
reinante, a mata próxima, a cobiça eram alguns ingredientes do dia a
dia do povoado, que estavam na raiz de dezenas de brigas por dia, entre
as de menor e maior gravidade e as fatais.
O livre porte de arma também contribuía.
Contribuía ainda para essa situação a inexistência de qualquer
comunicação e de qualquer escola: telefone, só em Marabá, e nesta época
a viagem até Marabá podia durar um dia, com as máquinas das
empreiteiras trabalhando na construção das PA-150 e 275.
Sem escolas, as famílias se separavam: ficavam os homens na tarefa de
ganhar a vida. Iam embora, em busca de escola e conforto para os
filhos, as mães. A localidade povoada por homens solteiros e
profissionais do sexo ou mulheres que, mesmo não sendo profissionais,
eram levadas ao exercício amador no ramo, por uma questão de
sobrevivência.
Com a proibição de bebida alcoólica em
Carajás - a mesma lei seca de Serra Pelada - a situação criou um
mercado propício para o contrabando de cachaça, que, por vezes, entrava
na Serra. Uma C10 carregada de caixas que, vendida a até meio
salário mínimo o litro, desaparecia em questão de poucas horas.
O viajante que chegasse pela Rodovia, ao passar pelo povoado do KM 30
já se sentia intimidado. A impressão, ao chegar ao povoado de
Parauapebas não melhorava. Serra Pelada abrigava, a essa altura, cem mil
garimpeiros.
Aos domingos, sobretudo, tinha-se a impressão de se estar no meio de um front de guerra civil.
Era comum, aos domingos pela manhã, enfileirarem-se na beira da
estrada, os cadáveres recolhidos, o saldo da noite de sábado. Esses
cadáveres podiam chegar, por vezes, a um total de vinte. As
carrocinhas iam chegando e enfileirando-os, lado a lado. Sujos de lama e
de sangue. Aos curiosos cabia ver se identificava algum. Muitos não
portavam documentos pessoais. Eram enterrados. Em um caderninho era
anotado o nome de algum que fosse reconhecido (pelo Chefe do
destacamento).
O som da música, sobretudo nos finais de semana,
parecia um só, que cobria desde a Rua do Arame até a Rua do Comércio,
com os sons de centenas de radiolas se emendando. Era difícil
caminhar-se por essas ruas aos sábados e domingos, e praticamente
impossível trafegar de carro. Tamanha era a multidão de operários,
garimpeiros, peões, comerciantes e desempregados que perambulavam pelas
ruas. As de maior movimento eram a do Arame e a Rua do Meio.
Entre as centenas de crimes impunes, uma emboscada para matar o
Delegado de Polícia em 1983, de nome Deusélio resultou na morte de um
cidadão comum com 18 tiros, no meio da Rua do Comércio. O cidadão foi
morto como forma dos assassinos descarregarem sua frustração por não
terem apanhado o Delegado, que, acometido de uma crise renal fora
internado no Hospital de Carajás, donde os médicos não o deixaram sair.
Os assassinos fugiram para Marabá. Mas, uma semana depois já estavam
de volta, desta vez, desfilando para baixo e para cima na Rua do
Comércio com os revólveres expostos ostensivamente na cintura.
Outra tentativa de assassinato que marcou na memória da população foi
a frustrada tentativa contra o advogado Dr. Hérmogenes. Tesoureiro
eleito numa chapa da associação de moradores e guardião da ata de
apuração assinada inclusive pelos adversários numa tarde de sábado;
na segunda-feira seguinte o advogado foi pressionado por membros da
chapa derrotada a entregar a Ata. Ele se negou a entregá-la e foi para
casa. Assim que escureceu, pistoleiros atiraram contra ele na rua do
Comércio, logo acima da feira. Na escuridão o advogado conseguiu fugir e
escapar ileso.
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