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terça-feira, 15 de outubro de 2013

A Formação da Sociedade Parauapebense



A Formação da Sociedade Parauapebense


             A formação da sociedade no município de Parauapebas passa por uma sequência de momentos distintos que merecem registro. 
             Passa também por nuances de uma geografia socioeconômica que se transformou profundamente  na década de 1980. 
             No início da Serra dos Carajás integrava geograficamente o Município de Marabá, um dos municípios de maior extensão geográfica do Brasil.
             A Serra dos Carajás, formada por três sinclinais e os respectivos  anticlinais compreende,  nos seus pontos altos, o que se convencionou  chamar de Serra Sul,  Serra Norte  e Serra Leste. 
             Sobre a Serra dos Carajás os antecessores da Cia.  Vale do Rio Doce – a Empresa Meridional, AMZA – Amazônia Mineração S.A.  e,  por legado  de compra, a CVRD, detinham o direito de lavra , concedido pelo DNPM – Departamento Nacional de Pesquisas Minerais. 
            Fato é que, apesar de pertencer ao município de Marabá, a  região, a partir  do que  hoje é o Eldorado, era desconhecida,   terra íngreme  e inóspita,   frequentada apena por caboclos,  que, através do rio, coletavam castanhas nas áreas marginais a ele. 
            Mesmo  anos após a chegada da Meridional a Carajás, só se  alcançava  a  Serra  por via aérea,  e mais,   através de hidroaviões.  Essa  situação permaneceu até que fosse  construído o aeroporto  de N-1,  e,  depois, o de N-5, já na década de 1980.  Com a abertura das PA- 150 – trecho de Marabá a Eldorado e da PA- 275 – ramal  Eldorado a Carajás,  a  sócio geografia  alterou-se   radicalmente,  sobretudo a partir da descoberta de ouro na Serra Pelada – o sinclinal leste da Serra dos Carajás. 
            A partir daí, do entroncamento das PA-275 com a  PA-150,   garimpos de ouro pulularam (surgiram). O ouro de aluvião  surgia por todos os  lados, na bacia  de  qualquer igarapé.  E, assim,  deu-se o encontro do homem  com o ouro, a madeira nobre, a terra de ninguém,  e um horizonte  fabuloso de riquezas.
            Se nos garimpos de aluvião  o ouro  rapidamente se esgotava provocando  necessidade  de mudanças constantes, em Serra Pelada  encontrava-se  uma jazida inesgotável  onde,  com certa regularidade, surgiam  pepitas  de toneladas de ouro. 
            Assim,  a terra de ninguém passou a situar-se entre o entroncamento das PA- 150 e  275  e  o limite da Serra  dos Carajás,  uma barreira rígida que a CVRD  ergueu logo  para lá do Rio Parauapebas, à  sua margem esquerda. 
           Da barreira para dentro,  existiam os empregos, que chegaram,  no pico da obra, a 14.000  vagas ocupadas.  Existia, para atendimento a esse contingente,  uma infraestrutura  que oferecia   hospital, energia elétrica, água encanada, telefone, etc.,  a  partir  de 1981.
           Em contrapartida, às dificuldades  de acesso  a Carajás que eram impostas  pela Segurança da Companhia , a região  compreendida entre o entroncamento das  PA-275/150 e a  Barreira de Carajás  se identificava  como a zona livre,  a Terra de Ninguém,  o Eldorado  das  Grandes possibilidades,  das grandes chances da sorte, sem nenhuma exigência.  
           A identidade da região  do hoje município de Eldorado,  município  de Parauapebas  -  inicialmente Rio Verde – irá  se confundir,  em vários momentos, com a história de toda região. 
            É necessário visualizar-se as ofertas diferentes de oportunidades no Município  (sede) de Marabá,  ainda a esta altura, com 50.000 habitantes, e sem empregos a oferecer,   as  oportunidades  variadas   oferecidas pela região Eldorado - Curionópolis - Rio-Verde, e  as  oportunidades  oferecidas  pela Serra  dos Carajás. 
           Se Marabá,  uma cidade pequena e já organizada  sob o jugo das oligarquias  e da mão de ferro  dos Mutran, já tinha toda a sua região próxima e em volta ocupada por grandes  latifundiários,  não oferecia empregos e seu comércio era pequeno, Carajás, por outro lado, oferecia  14.000  empregos,  com bons salários,  casa ou alojamento, e comida,  viagens de avião e folgas.   E não há ser humano  que se pense tão azarado que não calcule,  ou não sinta, intuitivamente, que, se existem 14.000  chances,  que uma não será a dele.
            Além do mais, muito embora a maioria tenha vindo em busca da segurança  de um emprego, a margem de risco,  mesmo pequena,  oferecia compensações:  chances de começar um empreendimento  pessoal, mesmo que como "formiguinha"  em um garimpo, como o de Serra Pelada, o maior garimpo a céu aberto do mundo,  que chegou a oferecer trabalho  para cem mil  garimpeiros.
           Acabou ficando fora dos empregos da Serra, inicialmente, aquele que não tivesse  documentos,   que não passasse nos  exames  de saúde- rigorosos – que não tivesse nenhuma especialização e que conseguia  um emprego do qual, algum tempo depois era dispensado, ou aquele que fosse impedido  pelo limite deidade.  A maioria desses, então, preferiu estabelecer-se no Rio Verde e tentar a sorte aqui. 
            Assim, o que era inicialmente uma espécie de acampamento de espera pelo recrutamento de empregados para Carajás  onde os homens estavam sempre na esperança de  que algum amigo ou  conhecido surgisse de Serra  e lhe  conseguisse uma vaga, foi se transformando  em local  de residência definitiva para muitos, porque o tempo passava e o emprego não surgia, ou já estavam desenganados por questões de saúde, de falta de documentação, etc.
           O inverno rigoroso de  1982 na região,  também,  em muito contribuiu,  uma vez que as grandes e prolongadas chuvas paralisavam em 90%  as atividades  daquele garimpo. 
           A  paralisação do garimpo repercutiu de imediato na paralisação do comércio (sobretudo) de comida, bebida e mulheres no povoado  do KM 30. 
            Sem o cliente  sempre rico, disposto a gastar quantidades apreciáveis de ouro em suas  andanças pelo povoado,  os primeiros  comerciantes resolveram estabelecer  suas barracas às portas de Carajás para testar o resultado. 
            A localidade do Rio Verde iria começar a explodir.  Isto se deu em poucos meses, no inverno de 82.  
            A localidade  estendeu-se  rapidamente pelos primeiros lotes  agrícolas do GETAT  à beira da estrada. 
           A madeireira Sartório chegou.  Dia e noite  serrava e vendia tábuas para a construção de barracos.   Tentativa de impedir a ocupação por parte de capatazes  de fazenda houve.  Mas, nem à base de violência, surtiram efeito. 
            A esta altura o povoado já se delineava.  Ruas abertas, à mão,  no meio da mata já apareciam.   Profissionais da pistolagem  e até amadores  deste ramo, eram encontrados às dezenas pelas ruas.  Alguns, hoje  já em outro ramo de atividade, se encontram radicados aqui. 
          Sem qualquer policiamento até então,   foi o alto índice de criminalidade  que forçou a PM  a destacar para o Rio Verde  um contingente de quatro soldados e um sargento. 
            Não é preciso dizer que este contingente era absolutamente impotente para controlar o torvelinho em que vivia o povoado. 
           Além  do que,  era comum que a tentação do garimpo e do comércio absorvesse as atenções  de muitos  desses policiais que passavam a garimpar, comprar e vender ouro e outras mercadorias,  com a vantagem de estarem legalmente armados  e representarem com suas fardas,  uma espécie  de intimidação natural.
          A prostituição, além do mais, florescia na localidade, fruto  da inexistência de fonte de renda para centenas de imigrantes e estribada  na economia  dos muitos garimpos existentes em toda região e de uma folha de pagamento de empreiteiras de Carajás que contemplava 14 mil funcionários, todos  solteiros,  morando nos alojamentos da Serra,  onde o acesso a mulheres ainda era vedado. 
             Essa folha de pagamento despejava, aproximadamente, por final de semana,  dez mil salários mínimos nas mãos dos operários,  que desciam para se divertirem na área livre, fora da barreira.
            Importante ressaltar-se que em Carajás não residia uma só pessoa do sexo feminino até 1982,  quando lá chegaram  as primeiras funcionárias,  uma leva de menos de 20 professoras  e uma ou outra técnica.  Além disto, bebida alcoólica  era expressamente  proibida,  e, por isso,  fora dos limites da barreira,  centenas de botecos funcionavam pelo menos  18 horas por dia, com seus freezers movidos a grupo gerador, já que não  havia rede elétrica em Rio Verde.
          A insegurança, o nervosismo,  os negócios  feitos e desfeitos sem qualquer  garantia, a escuridão reinante, a mata próxima, a cobiça eram alguns ingredientes  do dia a dia do povoado,  que estavam na raiz de dezenas de brigas por dia, entre as de menor e  maior gravidade e as fatais.  
        O livre porte de arma também contribuía. 
         Contribuía ainda para essa situação a inexistência de qualquer comunicação e de qualquer escola:  telefone, só em Marabá, e nesta época a viagem  até Marabá podia durar  um dia,  com as máquinas das empreiteiras trabalhando na construção das PA-150 e 275.
         Sem escolas, as famílias se separavam:  ficavam os homens  na tarefa de ganhar a vida.   Iam  embora, em busca de escola e conforto para os filhos, as mães.   A localidade povoada por homens  solteiros e profissionais  do sexo ou mulheres que, mesmo não sendo profissionais, eram levadas ao exercício amador no ramo, por uma questão de sobrevivência. 
          Com a proibição de bebida alcoólica em Carajás  -  a  mesma lei seca de Serra Pelada -  a situação criou um mercado propício para o contrabando de cachaça, que, por vezes, entrava na Serra.  Uma  C10  carregada de caixas  que, vendida a até meio salário  mínimo o litro, desaparecia em questão de poucas horas. 
           O viajante que chegasse pela Rodovia, ao  passar pelo  povoado do KM 30 já se sentia  intimidado.  A impressão, ao chegar ao povoado de Parauapebas não melhorava. Serra Pelada abrigava, a essa altura, cem mil garimpeiros. 
          Aos domingos, sobretudo, tinha-se a impressão de se estar no meio de um front de guerra civil.
         Era comum, aos domingos pela manhã, enfileirarem-se na beira da estrada,  os cadáveres recolhidos,  o saldo da noite de sábado.  Esses cadáveres podiam chegar, por  vezes, a um total de vinte.  As carrocinhas iam chegando e enfileirando-os, lado a lado.  Sujos de lama e de sangue.  Aos curiosos cabia ver se identificava algum.  Muitos não portavam documentos pessoais. Eram enterrados.  Em um caderninho era anotado o nome de algum que fosse reconhecido (pelo Chefe do destacamento).
O som da música, sobretudo nos finais de semana, parecia um só, que cobria desde a Rua do Arame até a Rua do Comércio, com os sons de centenas de radiolas se emendando. Era  difícil caminhar-se por essas ruas aos sábados e domingos, e praticamente impossível trafegar de carro.  Tamanha era a multidão de operários, garimpeiros, peões, comerciantes e desempregados que perambulavam pelas ruas.  As de maior movimento eram a do Arame e a Rua do Meio. 
             Entre as centenas de crimes impunes, uma emboscada para matar o Delegado de Polícia em 1983, de nome Deusélio resultou na morte de um cidadão comum com 18 tiros, no meio da Rua do Comércio.  O cidadão foi morto como forma dos assassinos descarregarem sua frustração por não terem apanhado o Delegado,  que, acometido de uma crise renal fora internado no Hospital de Carajás, donde os médicos não o deixaram sair.
           Os assassinos fugiram para Marabá. Mas,  uma semana depois já estavam de volta,  desta vez, desfilando para baixo e para cima na Rua do Comércio  com os revólveres expostos ostensivamente na cintura. 
           Outra tentativa de assassinato que marcou na memória da população foi a  frustrada tentativa  contra o advogado  Dr. Hérmogenes. Tesoureiro eleito numa chapa da associação de moradores e guardião da ata de apuração assinada inclusive pelos adversários   numa tarde de sábado;  na segunda-feira   seguinte o advogado foi pressionado por membros da chapa derrotada a entregar a Ata.  Ele se negou a entregá-la e foi para casa.  Assim que escureceu, pistoleiros atiraram contra ele na rua do Comércio, logo acima da feira.  Na escuridão o advogado conseguiu fugir e escapar ileso.

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